La Maison: a vida num bordel


Com Ana Girardot, Rossy De Palma e Aure Atika no elenco, La Maison” (A Casa), adaptação do famoso livro de Emma Becker, chegou aos cinemas nacionais para desconstruir muitos dos clichés em torno do mundo da prostituição.

No filme, como no livro, é descrita a vida no bordel berlinense onde, durante dois anos e meio, sob o pseudónimo de Justine, nome da famosa personagem de Sade, Becker decidiu vender o seu corpo para tentar compreender o mundo da prostituição, as mulheres que nele trabalham e os homens que a ele recorrem.

Sempre acreditei que escrevia sobre homens. Antes de me aperceber que só escrevo sobre mulheres. Sobre o facto de ser uma. Escrever acerca de prostitutas que são pagas para serem mulheres, que são, de facto, mulheres, que são tão-só isso; escrever sobre a nudez absoluta desta condição é como examinar o meu sexo ao microscópio. Sinto o mesmo fascínio que um laboratorista a contemplar as células essenciais a qualquer forma de vida“, disse Emma Becker sobre o seu livro.

Foi em Paris, em janeiro de 2023, que nos cruzamos com a realizadora Anissa Bonnefont, a responsável por esta adaptação ao cinema.

O que a levou a adaptar o livro da Emma Becker ao cinema?

Quando li o livro da Emma Becker, fiquei muito surpreendida e fascinada pela sua abertura em falar das coisas. Temos uma mulher que assume o seu desejo, a sua sexualidade e vive uma experiência atípica, que passa depois para um livro disponível a ser avaliado por todo o mundo. Vivemos num mundo onde as pessoas estão sempre prontas a julgar, em particular o desejo e a sexualidade feminina, que ainda são um tabu. A importância de viver e contar esta experiência foi essencial no desejo de levar o livro ao cinema. Mostrar a liberdade de escolha de uma mulher.

Existe uma corrente no feminismo que diz que qualquer tipo de prostituição é uma exploração, sendo formalmente contra ela. Crê que o seu filme pode gerar uma discussão sobre este tema dentro dos grupos feministas?

Sim, sem dúvida. Existem diferentes correntes no feminismo e numa delas temos um rejeitar completo dessa questão, através de pensamentos arcaicos. E elas acham que têm a legitimidade de pensar e falar por toda a gente. Mas também temos as feministas que são mais abertas e partem da ideia que somos [email protected] diferentes. Para mim, o verdadeiro feminismo envolve o aceitar as ideias dos outros e que existe a possibilidade de uma mulher decidir viver essa vida. No filme mostramos diferentes decisões para estar nessa vida, das económicas à exploração das suas sexualidades. Temos de aceitar todas aquelas que estão nessa vida por uma decisão completamente individual. Creio que temos de dar voz a todas as opiniões e não nos baseamos apenas numa visão granítica sobre o tema.

Qual o maior desafio que encontrou na adaptação deste livro ao cinema?

O desafio era encontrar um bom equilíbrio de elementos. O livro tinha 400 páginas para exprimir todas as emoções que a Emma viveu na sua experiência, mas não tinha uma estrutura narrativa clássica. Encontrar uma estrutura para o que queríamos contar e, acima de tudo, fazer com que a audiência criasse uma ligação com a protagonista, foi complicado. O que a Emma viveu foi algo difícil e muito particular. Não era algo com uma forma universal, daquelas que podia ter acontecido em todo o lado, a qualquer pessoa. Por isso mesmo, tentamos criar essa universalidade através de dois elementos: a irmã, que se torna uma observadora, como o espectador, e vê como a protagonista vai mudando com o tempo; e – principalmente – a introdução da história de amor no final. Quando li o livro, a forma como a Emma abordava o seu corpo, a sexualidade, os homens e o prazer deixou-me a impressão de alguém que quer ser amada. Para mim, aí é que estava a universalidade. Essa era a fragilidade da personagem e que tínhamos de encontrar juntamente com a Ana Girardot.

Por falar na Ana, como foi a vossa colaboração nas filmagens?

Construí a personagem da Emma juntamente com a Ana e fizemos tudo com base na confiança. Com essa confiança, veio a liberdade, que era extremamente importante para a construção deste filme. Discutimos muitos as palavras a usar com muita antecedência das filmagens, cerca de 6 meses antes. E falámos do desejo feminino, do sexo, da visão feminina sobre estas questões.A Ana trabalhou ainda com uma dançarina de um cabaré de Paris para encontrar a sua feminilidade e uma potência nela. Exploramos este trabalho em conjunto e foi genial.

Em tempos que se fala muito em “male gaze”, inclusivamente em filmes realizados por mulheres, como foi o trabalho de pensar nas cenas de sexo do filme?

Antes de ver em como íamos filmar os corpos, pensámos no que cada cena de sexo queria contar. A partir do momento que havia uma narrativa natural para cada uma dessas cenas, filmei-as da mesma forma que qualquer outra. Não me interditei em nada, nem pensei em nada muito específico relativamente a elas. Concentrei-me na história, no que tinha de contar e, claro, no trabalho de Mise en place, juntamente com a Ana, @ sua companheiro/a de cena e o diretor de fotografia.

Nos EUA, quando existem cenas de sexo, as figuras dos coordenadores de intimidade tornaram-se permanentes nos sets de filmagem? No caso do “La Maison”, tiveram coordenadores de intimidade?

Não (risos)

O que acha da presença dessas figuras nas filmagens?

Creio que também já existem em França, mas depende de cada produção e da abertura de um (a) realizador(a) em falar com os atores sobre essas cenas. Um cineasta tem de ter a abertura para explicar a importância que cada cena tem no seu filme. A partir do momento em que assumo o que quero mostrar, não preciso de uma terceira pessoa para aplicar isso. É a minha maneira de fazer as coisas. Se for um homem a realizar as cenas de sexo ou de nudez com uma atriz, talvez isso se possa enquadrar e ele possa querer isso, mas mesmo assim depende dele. O que desejo é que todos os atores nas filmagens tenham a confiança de me dizer tudo o que se passa nas filmagens, que possam falar comigo de tudo o que sentem. Não quero que seja um coordenador de intimidade que me venha dizer o que eles ou elas têm a dizer.

Neste caso preciso com a Ana, senti que criamos a personagem todos dias que trabalhamos. Não era a minha personagem, era a nossa.

E como foi contar no elenco com nomes como a Rossy de Palma?

Sou uma verdadeira cinéfila e desde a adolescência abracei o cinema de Almodóvar. Por isso mesmo, sempre fui uma grande fã da Rossy. Ela é alguém cheia de vida, mas ao mesmo tempo carrega nela uma espécie de ferida interna que acho extremamente tocante. Para encarnar uma prostituta e de certa forma a “Mãe” de todas estas mulheres, achei que ela era perfeita.



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